No final da novela da noite da SIC - "Viver a Vida" - há sempre um testemunho real de uma pessoa diferente acerca de um problema que teve ou tem na vida. Esta noite o testemunho foi de um rapaz que aparentava ter uns 25 anos e sofria de deficiência física (uma espécie de atrofia, pareceu) e visual.
Contava ele que um dia, quando tinha 8 anos e se movia em cadeira de rodas (hoje já conseguia andar de pé), estava a passear com os seus pais no shopping e ouvia um miúdo chorar porque a mãe não lhe dava um brinquedo qualquer. Em resposta ao choro, a mãe disse ao seu filho perfeitinho "Se não te portas bem, acabas como aquele menino ali". Chorava o deficiente enquanto contava este episódio.
Fiquei chocada. Fiquei chocada ao ponto de ter ficado um minuto parada a olhar para a televisão a pensar naquilo.
Ao ponto que as pessoas chegam... Como já disse aqui algumas vezes - e ninguém me tira essa ideia -, as pessoas são más! Más, mas não como as cobras, são piores! São más só porque sim, são más só para ser más, às vezes são más porque são estúpidas e não sabem ser melhor!
Quando eu tinha 13 anos, comecei a namorar com um rapaz mais velho que tinha paralisia cerebral (distonia), e que por isso andava de cadeira de rodas. Namoramos quase um ano e meio.
Recordo-me de diversos episódios que me fizeram ver quão más e estúpidas as pessoas são: uma vez, lembro-me como se fosse ontem, íamos na Praça 1º de Maio em Viana, e duas velhas pararam à nossa beira e abanaram a cabeça a olhar para ele e murmuraram "Coitadinho... Tão novinho... Coitadinho...". Ele respondeu um valente "Coitadinho o caralho!"
Uma outra vez, estavamos na estação de comboios à espera de um deles, e eu estava sentada num banco e ele (naturalmente! lol) sentado também frente a mim. Vieram novamente duas velhas (não deviam ser as mesmas, não!), aproximaram-se de nós e puseram-se paradas a espreitar "para o que os meninos estavam a fazer. É que é tão estranho sendo uma pessoa assim...".
E uma outra vez ainda - para mim a pior de todas -, estávamos num café a lanchar e, naturalmente também, no meio da conversa, trocamos um beijo. Curto, um beijo só. Uns dois minutos depois tinhamos um empregado parado à nossa frente a dizer-nos "O gerente agradecia que não se beijassem mais, porque alguns clientes estão incomodados com essas cenas". Assim, discriminação pura e simples.
Hoje, à distância daqueles 13 anos tão ingénuos, parece tudo muito claro. Na altura pensei apenas que talvez tivessemos feito algo de mal.
Há coisas que ainda hoje, passados tantos anos, me custam a engolir. As pessoas são completamente deficientes sim, mas de afectos e de inteligência e de nem sei mais o quê, nem consigo definir o que é isto!