O problema da geração actual são os facilitismos. Têm tudo o que querem, na hora que querem.
Já quando andava no liceu (e, atenção, eu tinha um pai que chegou a meter em casa 5000 ao mês...), ficava muito admirada pelo facto de a maioria dos meus colegas ter all-stars nos pés (toda a gente as tinha!), Levis nas pernas e Miss Sixty ou Carhart nos lombos. Ficava admirada porque eu, apesar de os meus pais terem na altura duas casas, três carros e algum dinheiro, não tinha nada disso. Os meus pais nunca me deram roupa cara e, agora, se tenho duas calças Salsa, relógios de marca, bolsas de marca e camisolas de marcas caras é porque, provavelmente, o Caixote mas deu todas, porque eu não consigo gastar muito dinheiro eu coisas para mim. Posso comprar várias coisas, mas nada caro.
Ainda no liceu mas, sobretudo, na faculdade, ficava muito admirada porque quase todos os meus colegas tinham telemóveis topo de gama. E carros bons, muito bons. Carros que lhes foram oferecidos quando entraram para a faculdade. Bem, entre eu e a minha irmã tivemos as melhores notas de todas as disciplinas dos exames nacionais na área de Humanidades no nosso liceu no ano em que nos candidatamos à faculdade, e nenhuma de nós teve qualquer prenda. A maior prenda foi o orgulho com que a minha mãe e a minha família falavam nisso, o maior orgulho foi podermos escolher uma casa no Porto (para onde tivemos de ir viver, porque não nos importamos de sair 4 anos da casa dos pais, e aprender a cozinhar, passar a ferro, limpar a casa... hoje faço isso tudo sem que me digam na nossa casa de família!) ainda em Julho, ao contrário daqueles outros que se ouvem na televisão todos os anos em Setembro, a dizer que entre a colocação nas faculdades e o dia do começo das aulas só tiveram dois dias para escolher uma casa.
Eu nunca tive luxos, os meus pais nunca me habituaram a luxos. Trabalho em part-times e full-times desde os meus 18 anos. Com o dinheiro de um part-time de Verão, paguei a minha carta de condução de uma só vez. Paguei quase todos os meus livros na faculdade. Paguei a minha roupa, os meus luxos, as minhas saídas à noite, os meus jantares, a prenda para a amiga que faz anos. Nunca pedi nada disso à minha mãe, porque o meu pai ganha muito bem mas a minha mãe não, e agora é apenas com ela que podemos contar.
O meu pai saiu de casa um mês antes de começarem os exames nacionais. Não me deu para o trauma, não me deu para a depressão, deu-me para o esforço e o afinco e daí termos tido as duas as notas que tivemos! Apesar de ver a minha mãe chorar todos os dias, cair ao chão sem se levantar, apesar de o ambiente em casa estar uma belíssima merda.
Durante a faculdade sempre trabalhei: ao fim-de-semana (todos os fins-de-semana), durante a semana às vezes, nas férias sempre... Nunca chumbei a uma cadeira, nunca perdi um ano, nunca nada. Eu bem sei que há gente que chumba na faculdade porque não quer saber muito daquilo e tem outras prioridades, mas não me falem que é pela dificuldade porque eu não sou um génio, tive muitos problemas pessoais, trabalhei muito, houve muitas e muitas semanas em que não tive um dia de folga (entre faculdade e trabalho) e estou aqui, licenciada e à procura de emprego.
Também não consegui um emprego de mão beijada. Não sou filha de advogados nem juízes, não conheço nenhum advogado nem juiz, não sou amiga de nenhum... não me foi aberta nenhuma porta nesse sentido. Há 9 meses que estou licenciada e continuo sem emprego, mas sempre à procura, a bater muitas portas, a fazer muitas chamadas, a enviar muitos emails.
Eu acredito que vá ter a minha recompensa. Nunca tive a vida facilitada. Só posso dizer que tenho a vida muito facilitada no sentido de que tenho a melhor família materna do mundo, os melhores irmãos, e o melhor namorado do mundo. E chega.