domingo, 11 de abril de 2010

Somos pelos filhos.


Em regra, um bom pai e uma boa mãe tratam bem dos seus filhos. Fazem tudo por eles, trabalham, trabalham, trabalham, chegam a casa, cozinham para eles, lavam-lhes a roupa, estendem-lhes a roupa, recolhem-na, passam-na a ferro, fazem-lhes chá quando lhes dói a barriga, fazem-lhes o pequeno almoço se estão doentes (e alguns mesmo quando não estão), abdicam de si por eles. Deixam de ir ao ginásio porque o dinheiro não sobra, mas não tiram os filhos do karaté, natação, música, violino, dança. Deixam de ir ao cabeleireiro com a frequência devida, descuram as madeixas, andam com as brancas à mostra, mas não deixam que o cabelo dos filhos ande espigado. Passam a comprar roupa barata e só em dias de festa, mas não deixam de comprar Carhart, Nike, Adidas, Levis, Replay, para os meninos. Os mesmos meninos que, apesar de saberem das dificuldades dos pais (e se não as sabem, é falha dos pais, pois deve aprender-se cedo que o mundo é imperfeito e o dinheiro não chove), não se inibem de exigir um par de calças de 100 euros, uns ténis de 150, ou uma mochila de 50, porque é o que os colegas têm. Os pais deixam de sair ao fim-de-semana para algum lado especial, deixam de ir ao restaurante, deixam de viajar, mas os filhos continuam a receber dinheiro para ir para a noite, para se embebedarem, para deitarem tudo num vómito ou dois a seguir, para fumar, para a ganza.
Os pais aturam desaforos, filhos mal-educados, acusações, exigências, dedos apontadods. Os filhos não aturam nada, não têm consciência do difícil que está a ser aguentar o barco que é a casa onde vivem.
A recompensa vem uns anos mais tarde. Quando os pais já estão mais velhos e os filhos estão formados pela Católica onde se fartaram de repetir anos e cadeiras - porque nem a decência de umas notas de jeito conseguiram e também não se preocuparam com o facto de sobrecarregarem os pais com mais esse estouro nas finanças da casa -, casam, saem de casa, os pais ainda lhes pagam o casamento, devido a mais um empréstimo que tiveram de fazer para o efeito. Mas os filhos querem quinta alugada, fogo de artifício, centenas de convidados, morangos e champanhe pelos corredores a fora. E os pais dão, porque esse é o dia do menino ou da menina.
Primeiro, visitam-nos todos os domingos, depois já nem por isso, só nas festas ou de mês a mês. Alguns todos os dias, porque comer na casa dos pais dá jeito e menos trabalho.
Os pais continuam a viver na casa já velha onde sempre viveram, mas os filhos constroem logo uma casa com jacuzzi, coluna de hidromassagem e piscina, que puderam comprar com o empréstimo que pediram ao banco e tendo os pais como fiadores.
A recompensa vem em palavras como as que ouvi de um rapaz num programa da tv outro dia, que devia ter uns 18 anos, a propósito de a mãe se ir sujeitar a uma operação à barriga porque tinha muitos complexos pois a mesma barriga tinha ficado muito estragada depois de ter os filhos: "O que é que eu acho? Eu não acho nada... Tudo bem, só acho que ela podia gastar antes o dinheiro em coisas para o nosso barco ou para nós". Ora toma e embrulha...
Uns anos mais tarde, quando os pais já estão ainda mais velhos, débeis, doentes, alguns acamados, a precisar deles, das duas uma: ou os põem num lar, ou simplesmente abandonam-nos.
Ter trabalho? Para quê? O que é que os meus pais fizeram por mim? Não fizeram mais que a sua obrigação.

3 comentários:

medeixagozar@ disse...

Odeio quando me deparo com situações onde os filhos tratam os pais com carrascos, de uma forma ingrata...

Bjs,
http://medeixagozar.blogspot.com/

Poetic Girl disse...

Um post sem papas na língua, tal como gosto... que dizer? que tens muita razão em cada palavra que escreves-te. Essa sim é a realidade de muitas vidas... beijos

Rita disse...

Adorei, adorei este post mesmo... vou coloca-lo no meu blog com a devida referencia, posso?

Beijos

Rita